KAFKIANAS
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As fotografias de Franz Kafka são protegidas por aura de
tristeza profunda. O olhar, perdido a meio caminho entre a câmara e o
fotógrafo, sustenta a linha fina dos lábios e do queixo. Com formação jurídica,
Franz Kafka trabalhou sua vida breve na burocracia. Judeu tcheco escreveu obras
em alemão para serem purificadas através do fogo, que nunca veio.
Tomada por pais opressores e venais, administradores e
tarefas impossíveis de serem cumpridas, sua obra, na figura auto-referente de
“K.” , transita absorvida pelo mundo dos objetos e das relações mediatizadas.
O eixo de sua angústia pode ser encontrado na “Carta ao
Pai”, escrita cinco anos antes da morte tuberculosa: “meus escritos tratavam de
você, neles eu expunha as queixas que não podia fazer a seu respeito”.
Na leitura do filósofo alemão Walter Benjamin, em Kafka “o
pai é a figura que pune. A culpa o atrai, como atrai os funcionários da
justiça. Há muitos indícios de que o mundo dos funcionários e o mundo dos pais
são idênticos em Kafka. Essa semelhança não os honra. Ela é feita de estupidez,
degradação e imundície.”
“O Processo” é obra inacabada, labiríntica; reelabora os
cenários de um mundo administrado pela razão que o instrumentaliza e cega sua
compreensão. A administração, rede impessoal de atribuições, e a lógica fria e
monstruosa da lei, presentes também em outras obras, assumem no Prozess uma
dimensão absurdamente ampliada: culpa, adiamento, expiação. A Justiça, assim
como a Política, são substituídas pelo Destino, entendido enquanto inevitável
Fatalidade.
O animal de A Toca, o pobre Gregor Samsa da Metamorfose, o
burocrata K. em O Castelo, assim como outros personagens, permitem localizar o
indivíduo na obra de Franz. Diante de uma sociedade que o absorve, digere e
dejeta, o indivíduo percorre um longo caminho, do desconhecimento de si e do
mundo, até a percepção dolorosa do malogro a que foi submetido. Muitas vezes,
tarde demais. Sempre tarde demais. Inutilmente. Mas apontando para os que
ficam, a possibilidade da crítica.
Oscilando entre ação e angústia, Franz Kafka traduziu sua
dor em uma obra fundamental para a compreensão do século vinte. Não é pouco
para quem se considerava um fracasso.
Franz Kafka nasceu em 1883 na cidade de Praga, Boêmia (hoje
República Tcheca), então pertencente ao Império Austro-Húngaro. Morreu
exatamente um mês antes de completar quarenta anos de idade. Pediu ao amigo Max
Brod para queimar seus escritos. Devemos agradecer-lhe a infidelidade...
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